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Transtornos alimentares crescem na era das redes sociais

  • Yasmin Cavalcanti e Jullyene Gomes
  • 2 de dez. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 28 de jan.

Padrões de beleza e estímulo ao corpo magro geram distúrbios especialmente entre os jovens


Com o retorno da moda dos anos 2000, não apenas as calças de cintura baixa voltaram, mas também o culto à magreza extrema. Atualmente, celebridades como a norte-americana Kim Kardashian, que perdeu sete quilos através de uma dieta restritiva para usar um vestido de Marilyn Monroe no Met Gala 2022, exercem grande influência para reforçar esses padrões nas mídias.

 

As redes sociais este ano, após o desfile da Victoria’s Secrets, também foram tomadas por uma trend, a qual mostrava as pessoas se alimentado apenas com o básico para ficar com o corpo das modelos. Apesar de ser uma brincadeira, esse “básico” variava desde comer gelo a tomar somente café e usar do tabagismo como forma de emagrecimento, como no vídeo de Alucarvas, como é conhecido o influencer Lucas Carvalho, na sua conta do Instagram. 


A nutricionista Marcela Haido aponta que as redes sociais e a pandemia de Covid-19 podem ter contribuído para o aumento dos casos de transtornos alimentares e a preocupação excessiva com o peso. O estresse gerado pelo período pandêmico, combinado ao aumento do consumo alimentar e ao isolamento social, teve um impacto significativo. 


Segundo Haido, “muitas dessas pessoas apresentaram ganho de peso e demonstraram sentimento de culpa ao comer excessivamente, tentando compensar em seguida com dietas restritivas. A influência das redes sociais, que disseminam informações sobre dietas milagrosas e a ideia de corpo perfeito, muitas vezes com o uso de filtros, ocasionou prejuízos à saúde física e emocional de muitos”.


Em relação às redes sociais, o movimento body positive, que promove a diversidade de corpos e formas, ainda luta contra esses padrões cada vez mais inalcançáveis, especialmente entre os jovens. Em 2021, dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) mostraram que o número de cirurgias plásticas realizadas entre a faixa etária de 13 a 18 anos aumentou 141% nos últimos anos. Esses dados reforçam como a autoestima dos jovens, ainda em processo de formação, pode ser afetada por corpos que parecem existir apenas para um grupo restrito de pessoas.


Bulimia e anorexia


Os transtornos alimentares são considerados alterações mentais, caracterizadas por perturbações relacionadas ao comportamento alimentar, afetando tanto a ingestão quanto a absorção de nutrientes. Entre os principais transtornos, estão a anorexia e a bulimia.


A anorexia é caracterizada por uma excessiva preocupação com as calorias dos alimentos, medo de engordar, comportamento alimentar cada vez mais restritivo que pode vir acompanhado de métodos compensatórios. A bulimia é marcada por episódios de compulsão alimentar, em que a pessoa ingere grandes quantidades de comida mesmo sem fome, apenas por descontrole, seguido de métodos para induzir a purgação, exercícios físicos intensos e longos períodos de jejum, já que o sentimento de culpa e remorso vem logo após a ingestão. 

 

A baixa autoestima, a pressão para se adequar aos padrões estéticos e a não aceitação do próprio corpo são comuns entre aqueles que sofrem desses transtornos. A nutricionista Aruanna Cajaty, do Núcleo de Assistência e Pesquisa em Transtornos Alimentares (Napta) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), afirma que a etiologia destes casos é multifatorial, associando-se a fatores como depressão, ansiedade, padrões de beleza inalcançáveis e até violência física e emocional.


Marina Wilson, graduada em cinema e influenciadora de moda, compartilha sua experiência em seu podcast Presunto Marinado, revelando como passou mais de dez anos lidando com transtornos alimentares. Ela conta que, na infância, sofreu bullying por ser uma criança “cheinha”, recebendo apelidos que a machucavam e sendo excluída de atividades. 


Marina Wilson compartilha diariamente o seu amor pela moda no seu Instagram @marinawilson 

Marina descreve sua luta contra a compulsão alimentar e o uso de métodos compensatórios, assim como a sensação de controle que buscava através da restrição alimentar. “A gente acha que isso é a nossa salvação, o nosso jeito de conseguir o nosso poder sobre nós mesmos, de ter controle sobre nossas ações. Mas, na verdade, tudo é só uma compensação, é só uma muleta de que a gente não precisa”, desabafa.


O Napta – interdisciplinaridade no tratamento


O Napta, vinculado ao ambulatório de Nutrição da Policlínica Piquet Carneiro, é um serviço de atenção secundária que recebe pacientes com distúrbios alimentares, através de encaminhamentos do complexo de saúde da Uerj, inserido na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).


A abordagem do Napta é fundamentada na interdisciplinaridade, com referência teórica na construção do caso clínico de Carlo Viganó, psicanalista italiano que vê o paciente como um professor, de quem os profissionais também devem aprender. O paciente é acompanhado não apenas por nutricionistas, mas também por psicólogos e psiquiatras.


A coordenadora do Napta, Cristiane Seixas, explica que “a interdisciplinaridade é uma prática em que não há uma separação exata dos saberes, mas como um interfere na construção do saber do outro. Isso não quer dizer que não haja especificidade de atuação, mas todas as disciplinas são afetadas pelas outras”. 


Reuniões de equipe ocorrem a cada 15 dias para discutir melhores abordagens para cada caso. A psicóloga Andrea Ferioli menciona que o processo de triagem é realizado por uma dupla composta por um nutricionista e um psicólogo, cada um trazendo sua experiência ao escutar o paciente e fazer leituras particulares sobre o caso. 



Reunião com a equipe do Napta. Foto: Aruanna Cajaty
Reunião com a equipe do Napta. Foto: Aruanna Cajaty

“Essas leituras serão discutidas entre a dupla de triagem e com a equipe para decidir se o caso será aceito, guiando-se pelos critérios diagnósticos do DSM V [Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais] no que se refere aos transtornos alimentares. A partir daí, é discutido um projeto terapêutico, considerando a periodicidade dos atendimentos e as direções para o tratamento”, explica Ferioli.


Rede de apoio


O Napta também conta com o Grupo Rede de Afeto no Tratamento dos Transtornos Alimentares (Gratta), voltado para a rede de apoio do paciente, como familiares e amigos, proporcionando um espaço de acolhimento e escuta. Nesse processo, é crucial que a família busque informações e orientações com profissionais, evitando agravar o caso e ajudando a construir estratégias para lidar com a complexidade dos transtornos. Evitar comentários sobre comida e imagem corporal e ter empatia no tratamento é fundamental.


A nutricionista Marcela Haido compartilha um caso marcante de sua carreira, destacando a importância do apoio familiar. Ela relata a história de uma paciente de cerca de 30 anos, em estágio avançado de anorexia, que consumia apenas 100 calorias por dia. “Quando ela começou a recuperar um pouco do peso, uma pessoa da família, sem perceber a fragilidade do processo, elogiou sua aparência, dizendo: ‘Olha só, como ela está melhorando, até com bochechinha de novo!’. Após ouvir isso, a paciente regrediu no tratamento e foi um trabalho árduo para a psicologia ajudá-la a superar esse momento”, conta Haido.


Ainda persiste um estigma social em relação aos transtornos mentais, mas é essencial promover avanços e conscientização sobre a gravidade dessas doenças. Isso torna possível não apenas a prevenção de quadros mais graves, mas também um tratamento adequado e em tempo oportuno.


A família deve estar atenta aos sinais, mesmo antes do diagnóstico, que muitas vezes é feito quando o quadro já está grave, e orientar a busca por acompanhamento especializado ao notar sinais de um possível transtorno.


Publicado por: Raphael Lisboa


Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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