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Novembro Azul: preconceito e saúde mental masculina dificultam a busca por diagnóstico e tratamento do câncer de próstata

  • Carolline Alves e Luis Henrique Vieira
  • 2 de dez. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de jan.

Casos recentes de figuras públicas destacam a importância do diagnóstico precoce e do tratamento ágil para o segundo tipo de câncer mais comum entre homens 



Na foto, Mariano Lacerda, participante da campanha promovida pelo Instituto Lado a Lado pela Vida. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Em janeiro de 2024, o sambista Quinho do Salgueiro, ícone do Carnaval carioca, faleceu aos 66 anos após dois anos de batalha contra o câncer de próstata. Em abril, o ex-jogador de futebol americano e ex-ator O. J. Simpson também morreu enquanto tratava da doença. Essas perdas de pessoas públicas enfatizam o alerta sobre a necessidade de conscientização e prevenção dos homens por se tratar de uma doença que frequentemente não apresenta sintomas em suas fases iniciais.


Em 2020, foi registrado mundialmente 1,4 milhão de novos casos, representando 15,2% de todos os tipos de câncer masculinos. No Brasil, as projeções do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para o triênio 2023-2025 apontam para 71.730 novos casos anuais, tornando o câncer de próstata o segundo tipo mais comum no país e o mais incidente entre homens em todas as regiões, atrás apenas do câncer de pele não melanoma. Em 2022, o Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, registrou 16.429 óbitos devido ao câncer de próstata, um aumento de quase 4% em relação aos números de 2020.


Embora especialistas afirmem que o diagnóstico precoce seja essencial para evitar a progressão da doença, muitos homens deixam de realizar o exame devido ao preconceito e à desinformação que envolvem a questão. Por isso, a campanha Novembro Azul foi uma das formas encontradas para conscientizar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce de doenças, em especial o câncer de próstata. 


Idealizada, em 1999, na Austrália, por um grupo de amigos para chamar a atenção para a saúde masculina, a iniciativa realizou inúmeras ações a fim de arrecadar doações para instituições de caridade e ficou marcada pelo uso do bigode pelos participantes.



O Centro de Referência em Saúde do Homem da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil 


O impacto psicológico do câncer e o papel do Novembro Azul


Um diagnóstico de câncer pode gerar sentimentos de medo e vulnerabilidade, principalmente em uma sociedade que valoriza a ideia de que os homens devem ser "fortes" e não demonstrar fraqueza. Essa realidade é reforçada pela opinião do psicólogo e pesquisador de neurociência de sistemas Lucas Araújo, que observa como o estigma sociocultural em torno da masculinidade pode levar muitos homens a não buscarem apoio psicológico durante esse período desafiador. Para o psicólogo, o apoio emocional é essencial para que os pacientes entendam e aceitem o diagnóstico, permitindo que enfrentem o tratamento com mais confiança.


“A gente ainda vive em uma sociedade onde se espera que o homem seja sempre forte e invulnerável, e isso acaba atrapalhando muito quando ele recebe um diagnóstico como o de câncer,” comenta Lucas. “Esse estigma faz muitos homens se fecharem e evitarem buscar apoio psicológico, que seria essencial nesse momento. Entender e aceitar o que estão sentindo ajuda a dar um pouco mais de tranquilidade e confiança para enfrentar o tratamento. Às vezes, o passo mais importante é só admitir que precisam desse apoio.”


A iniciativa, no entanto, engloba não apenas o câncer de próstata como também a promoção do cuidado integral da saúde masculina, incluindo temas como saúde mental, prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, controle de doenças crônicas e prevenção de violência e acidentes. O Ministério da Saúde, por exemplo, promove atividades como seminários e rodas de conversa para falar sobre a saúde masculina em ambientes de fácil acesso aos homens, visando desmistificar preconceitos e reforçar a importância da prevenção.


Para engajar com o público de diferentes idades, organizações da sociedade civil têm utilizado até mesmo brincadeiras como ferramenta para vencer o estigma. Em novembro de 2023, o canal Porta dos Fundos lançou uma esquete protagonizada pelo ator Antônio Fagundes, usando o humor para tratar do exame de toque retal e a superação do preconceito. No vídeo, Fagundes pergunta em tom bem-humorado: “Quando é que você vai liberar esse c* aí?”, abordando de forma direta e leve um tema ainda tabu através de uma linguagem informal, comunicando-se diretamente ao público-alvo da campanha.



Antônio Fagundes e Porta dos Fundos unem-se contra o preconceito.


Controvérsia sobre o rastreio


Apesar de ter sido elogiado pelo tom informal e alcançado mais de dois milhões de visualizações no YouTube, o vídeo do Porta dos Fundos recebeu críticas de alguns profissionais de saúde que alertaram sobre o uso indiscriminado do exame PSA (Antígeno Prostático Específico) para rastreio da doença.


O argumento dos profissionais baseia-se na nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde, em conjunto com o Inca, em outubro de 2023, na qual reafirma a recomendação contra o rastreamento populacional do câncer de próstata em homens assintomáticos. A prática, que envolve exames sistemáticos para detectar o câncer em fase inicial, mostrou aumentar o número de diagnósticos, mas não reduziu significativamente a mortalidade, trazendo ainda potenciais danos à saúde, como disfunções sexual e urinária devido ao tratamento de tumores que não se tornariam agressivos. O órgão orienta que os homens sejam informados sobre os riscos e benefícios dos exames para que possam tomar decisões conscientes em conjunto com os profissionais de saúde.


O PSA é realizado por meio de um hemograma que verifica a quantidade de uma substância produzida pela próstata e que pode detectar, além do câncer, outras inflamações e infecções. De acordo com o Radar do Câncer, o exame foi realizado cerca de 400 mil vezes até agosto de 2024, contudo, pouco mais de 83 mil pessoas estão em tratamento, o que indica uma lacuna entre o diagnóstico e a necessidade do tratamento dos pacientes. 


A importância do diagnóstico precoce


Embora o PSA seja essencial para detectar anormalidades na próstata, ele não deve ser a única ferramenta utilizada pelos profissionais de saúde. Outros exames também são de suma importância, como o toque retal e, em casos de suspeita, a ressonância magnética e a biópsia, para garantir um diagnóstico preciso e eficaz. Essa combinação de métodos é essencial para identificar a doença em seus estágios iniciais e garantir o tratamento adequado. 


O professor Rui de Teófilo e Figueiredo Filho, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e urologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), reforça a importância do PSA para o diagnóstico, mas chama a atenção sobre a necessidade de exames complementares. “O PSA é importante, mas sabemos que até 30% dos casos de câncer apresentam resultados normais, então o toque retal complementa essa avaliação. A ressonância magnética pode ser usada em casos de suspeita persistente, orientando a necessidade da biópsia, que confirma o diagnóstico e define a agressividade do tumor”, analisa.


Infelizmente, aqueles que precisam tratar a doença encontram dificuldade no acesso devido à lacuna significativa entre o diagnóstico e o início do tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Embora a Lei nº 12.732/12 garanta que o tratamento do câncer pelo SUS deva ser iniciado em até 60 dias após o laudo, aproximadamente 70,1% dos pacientes não recebem atendimento nesse período. Esse atraso compromete a eficácia das intervenções e reforça a necessidade de melhorias estruturais no sistema de saúde.


Onde encontrar informação e apoio


Para quem busca mais informações sobre o câncer de próstata, exames preventivos e o cuidado integral da saúde masculina, o Inca oferece diversos recursos on-line. No site do Instituto, você encontra orientações sobre prevenção, sintomas e tratamento da doença, além de informações atualizadas sobre campanhas de conscientização. Além disso, o portal do Ministério da Saúde disponibiliza guias, campanhas e serviços gratuitos pelo SUS, que incentivam a realização de exames preventivos e promovem o cuidado contínuo. Utilizar esses recursos é um importante passo para cuidar da saúde de forma preventiva e garantir apoio adequado, caso haja necessidade de tratamento.


Publicado por Christian Domingues

Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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