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Flamengo e o acaso em uma relação eterna

  • Gustavo Fernandes
  • 2 de dez. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de dez. de 2024


O futebol é reflexo do coração, de tudo o que há de bom e impuro dentro dele, orquestrado por sentimentos tão confusos quanto uma marcação de bola na mão dentro da área aqui no Brasil. Confusas são as sensações porque tortuosos são os caminhos que a bola faz ao longo de 100 minutos, deixando o angustiante ar de incerteza no segundo seguinte e a inevitável ideia de que tudo poderia ter sido diferente se não fosse o acaso. Por isso, tal qual a arte imita a vida, a percepção sobre a vida se deixa levar pela fruição que cada espectador faz da partida. Mais do que um produto sociocultural, o futebol é uma concepção emocional.


2019 deixou uma falsa impressão no torcedor rubro-negro. Após empilhar taças em um time que assombrava rivais, cinco anos depois, o que resta de tudo isso é apenas a penumbra de um time vencedor. Quando falamos de futebol, às vezes esquecemos que tão feio quanto não saber perder é não saber por que ganhou.


A eliminação do Flamengo pelo Peñarol ainda nas quartas de final da Copa Libertadores, em Setembro, foi a tragédia anunciada de uma gestão que em cinco anos não soube reconhecer que, para vencer, não basta acertar uma vez aleatoriamente, mas para dominar é preciso de método. De janeiro de 2019 até o fim de setembro de 2024, dez técnicos passaram pelo Flamengo, dos quais nove foram mandados embora, totalizando mais de R$ 50 milhões em multa rescisória paga pelo clube. Uma média de um técnico novo a cada semestre. Essa é a música a qual o futebol brasileiro se acostumou a dançar. É… Mas não é. 


No mesmo ano em que Jorge Jesus deixou o Flamengo, o Palmeiras contratou Abel Ferreira. Desde então, foram 10 títulos conquistados pelo alviverde e seis vencidos pelo rubro-negro no mesmo período. O Botafogo, por sua vez, é finalista da Libertadores deste ano e vislumbra um futuro muito promissor em uma gestão que claramente entende o futebol como processos continuados e integrados em seus departamentos internos. Além disso, o que dizer do Fortaleza, cuja ascensão nos últimos anos está bem longe de ser matéria do acaso, mas sim pura consequência de uma ideologia do que se quer para o futebol do clube, em um processo duradouro e permanente. Palmeiras domina. Botafogo e Fortaleza buscam o domínio. O Flamengo apenas vence sem compreender como – modus operandi de uma diretoria que transforma conquistas em acertos fortuitos. A sensação que passa é que o Flamengo está a um acidente do próximo título de Libertadores. Ou, quem sabe, Copa do Brasil.


O que construir quando não lhe parece sobrar mais nada? É a pergunta que fica em mais um ano machucado por más escolhas e mais uma demissão de técnico, com a saída de Tite do comando técnico, em uma passagem marcada pelo futebol de luto. No jogo de volta contra o Peñarol, precisando de um gol, o Flamengo terminou a partida com um total de 13 finalizações, apenas duas em direção ao gol. O goleiro adversário defendeu somente um chute do time do Flamengo em 100 minutos. Na urgência de vencer fora de casa, o Flamengo sucumbiu à posse estéril: ficou com a bola nos pés em 74% do tempo e viu seus principais articuladores a perderem 52 vezes ao longo do jogo (Arrascaeta perdeu 18 bolas, Gerson, 11 e De La Cruz, 23). Os números são do site Sofascore. Os três permaneceram em campo a partida inteira, mesmo sem efetividade alguma, e quem entrava não contribuía para a classificação, porque o jogo do Flamengo havia falecido em um futebol morto de ideias. 


Entre a ausência de um planejamento futebolístico duradouro e a necessidade urgente de reconstruir com o carro em movimento, a diretoria do Flamengo, em situação de pressão, oferece a sua torcida uma distração, com a chegada de Filipe Luís para assumir a função de treinador da equipe pelos próximos meses. Filipe tem um futuro promissor enquanto técnico, afinal não lhe faltam referências acumuladas ao longo de sua carreira como jogador. Mas, acima de tudo, é um ídolo recente da torcida, uma figura bem vista até mesmo pelos seus rivais. A escolha pelo seu nome, neste momento, escancara a noção de que, entre clube e torcida, não há muita clareza do caminho que se está seguindo. Finalista da Copa do Brasil e com uma boa vantagem alcançada no jogo de ida, no Maracanã, 03 de novembro de 2024, Filipe Luís pode ser mais uma escolha de um acaso que acabou rendendo frutos imediatos para o clube, com a conquista de um título de Copa do Brasil. Mas a que preço? 

Ao fim deste ano, o Flamengo passará por eleições que decidirão o comando dos seus próximos três anos. A oposição busca espaço exatamente na ideia de que é preciso ter mais profissionalismo nas decisões. Já a situação se ancora no fato de que, como bons brasileiros, nossa memória é encurtada pela seleção que fazemos dos acontecimentos, na maior parte das vezes, pelo prazer mais imediato que sentimos e quem ou o que nos fez sentir. Longe de querer azedar o chope rubro-negro, mas será que a felicidade instantânea pode apagar a sensação perene de que algo está constantemente morrendo no futebol do Flamengo?


Com esta sensação de luto, vem a saudade de uma época ocasionalmente vitoriosa. Sentir saudade não é crime, o problema é quando se sente falta de um momento que foi, aparentemente, um caso randômico, matéria do acaso. No fim de tudo, restam apenas o prazer pela alegria imediata e a angústia por um futuro fadado à aleatoriedade, afinal todos querem ganhar, mas poucos estão dispostos a responder o questionamento que “separa os homens dos moleques” no futebol: se você ganhou, foi por qual motivo? 


Seja sorte, destino, Deus ou feitiçaria, quiçá exista uma constância universal no futebol em que alguns clubes estão fadados a repetir os mesmos erros, em um tipo de lei do eterno retorno que nem mesmo o posicionamento dos astros no céu consegue dar conta de explicar. De modo geral, é possível afirmar que seu time irá voltar a vencer. Ele será campeão. Voltará a jogar um futebol vistoso, alegre e potente, a ponto de você se esquecer por um instante de que tudo isso não passa de mais um caso do acaso não marcado em lugar algum, que aconteceu, foi embora e se tornou aquela doce lembrança mais cruel de todas.


Publicado por: Giulianne Sena


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