Cinemas de rua “desaparecem” em meio ao crescimento de grandes redes
- Gabriel Maria e Guilherme Rezende
- 16 de jan.
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de jan.
Antes tradicionais em todo país, os cinemas de rua vêm se tornando cada vez mais raros, principalmente em comparação com as grandes redes, presentes em shoppings
As salas de cinema são um espaço mágico para qualquer pessoa que deseja ter uma experiência cinematográfica. O ritual para ver um filme nesses espaços já é algo comum no imaginário popular. Ir para o shopping, subir os andares, comprar o ingresso, passar no caixa para comprar a pipoca e o refrigerante e, por fim, entrar na sala para achar seu lugar, pois a sessão já vai começar. Essa rotina já foi diferente no passado por causa de locais que não são mais tão comuns: os cinemas de rua.
Segundo o jornal O Globo, atualmente, 16 cinemas de rua ainda resistem na cidade do Rio de Janeiro. Para efeito de comparação, na década de 1960, o número de estabelecimentos desse tipo era 198. Uma queda de aproximadamente 92% em 60 anos, que só foi se agravando por causa da chegada de novas tecnologias, como o VHS e a televisão, mas principalmente pelo desenvolvimento mais acentuado das metrópoles, que traz consigo problemas sociais e um crescimento populacional com os quais as grandes cidades não foram capazes de lidar.
Com o passar dos anos, o cinema foi integrado aos shoppings centers, junto de lojas de compras e de alimentação, tornando-se um símbolo muito mais ligado ao consumo do que, de fato, à arte, como anteriormente.
A pesquisadora Talitha Ferraz, professora da ESPM-Rio, do PPGCine-UFF e pesquisadora dos cinemas de rua, já trabalha há quase 20 anos com essa temática e conta que viveu parte desse fenômeno:
“Eu fiz essa pós, antes do mestrado. E eu morava na Tijuca [Zona Norte do Rio]. Então, eu tinha que fazer um trabalho final e resolvi fazer sobre os cinemas que existiam na Tijuca, principalmente ali na área da Praça Saens Pena. Porque era um fenômeno, né, o desaparecimento desses cinemas… E como eu frequentei boa parte desses cinemas e vi o fechamento deles, eu achei que pudesse ser um bom trabalho ali para o tipo de pós-graduação que eu estava fazendo, que era uma pós-graduação com um assunto muito ligado à comunicação em cidade, a formas de produção de sociabilidade no urbano e o envolvimento com as mídias.”
Atualmente, o cinema como um todo vem sofrendo uma queda de espectadores, graças ao avanço dos serviços de streaming e da natural preferência do brasileiro de ver filmes em sua casa, adicionados ao alto custo do espetáculo, envolvendo o ingresso e também outros fatores como pipoca, bebidas e outros. Durante 2021 e 2022, um dos últimos cinemas de rua carioca, o Estação Net Rio, enfrentou um quase fechamento devido à pandemia e ao custo para se manter no local. Foram necessárias uma campanha e a ação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) para que as salas do cinema continuassem abertas.
Outro espaço cinematográfico nas ruas da cidade é o Cine Carioca Nova Brasília, localizado na comunidade Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Ele é a primeira sala de cinema construída em uma favela em toda a América Latina. O cinema foi construído pela Secretaria Municipal de Habitação, em 2011, e oferece uma programação de filmes para todas as faixas etárias, privilegiando grandes lançamentos do circuito comercial nacional e internacional, com ingressos a preço popular, subsidiados pelo governo municipal.

O desaparecimento dos cines de rua acaba com espaços de socialização comunitária, de construção da cidadania e de coexistência da diversidade. Perde-se um ponto de encontro, um local de discussão e um espaço de vivência genuinamente urbano. A disseminação dos shopping centers aumentou o número de salas, mas esse crescimento aconteceu de forma concentrada, privilegiando as classes média e alta.
Escurinho do cinema vs conforto do sofá
Outro fator para a queda dos cinemas de rua, e complexos no geral, é o surgimento e crescimento dos serviços de streaming. Plataformas como Netflix, que está no mercado brasileiro desde 2011, Amazon Prime Video e Max surgiram como opções mais práticas para os consumidores na hora de ver um filme.
Essa preferência é percebida pelo mundo. A empresa HarrisX conduziu uma pesquisa, a pedido do site de cinema estadunidense, IndieWire, que concluiu que cerca de dois terços dos telespectadores dos Estados Unidos preferem esperar um filme sair no serviço de streaming a ir ao cinema. Thalita Ferraz comenta sobre essa mudança do mercado cinematográfico.
“É claro que a gente hoje pode falar de uma reorganização desse mercado muito por conta de uma outra natureza, de mídias, enfim. Na esfera também da plataformização dos conteúdos, com as TVs a cabo, com o poder dos streamings, então a gente vê outros atores de mercado aparecendo e fazendo uma confusão (...) Então há uma reorganização desse mercado e, claro, há novas configurações empresariais e industriais com esses novos atores aparecendo, como Netflix, Amazon etc.”

Essa mudança de comportamento se deve muito aos impactos da pandemia de Covid-19, que aumentaram o consumo das plataformas. Em 2020, o Datafolha revelou que 90% dos 842 paulistanos, com 16 ou mais anos, entrevistados já eram assinantes de plataformas como Netflix, Prime Video e Globoplay. No ano seguinte, a empresa Magnite publicou um estudo, que contou com 4.049 pessoas entre 18 e 64 anos no Brasil, México e Argentina, que mostrou que 85% dos brasileiros preferem o streaming à TV aberta.
Filmes brasileiros em cena
Além disso, um fenômeno que acompanha o “desaparecimento” dos cinemas de rua é a diminuição dos filmes nacionais nas salas. Segundo dados da Ancine, em 2021, na reabertura gradual das salas de cinema pós-pandemia, os títulos brasileiros viram público e receita diminuírem mais de 90% no ano passado, mesmo com mais lançamentos em cartaz, em comparação com filmes internacionais.
A desvalorização do nosso cinema, atores e produtores em comparação ao crescimento de produções estrangeiras, em especial as estadunidenses, é um retrato de como a globalização nos afastou das produções nacionais e nos tornou “parte” da cultura hollywoodiana.
Por esse motivo, o governo federal sancionou a lei n. 14.814/2024 e o decreto 12.067/2024 para regulamentar a cota de tela para cinemas brasileiros. As obrigações de cada complexo de cinema depende do tamanho do grupo exibidor ao qual pertencem. Ou seja, complexos que pertencem a grandes grupos exibidores passam a ter obrigações maiores do que os complexos independentes.
O novo regulamento desestimula que um único filme ocupe grande parte das salas de um cinema, com o objetivo de aumentar a oferta de conteúdo aos consumidores. Além disso, a lei e o decreto legitimam os debates e as discussões para o tratamento a ser dado aos filmes brasileiros premiados em festivais de reconhecida relevância, e para a permanência de títulos nacionais em exibição nas sessões de maior procura de cada complexo, em função dos resultados de bilheteria obtidos. Essa medida visa promover uma competição equilibrada, autossustentabilidade da indústria cinematográfica e aumento da produção, distribuição e exibição de filmes brasileiros.
Talitha destaca em específico a conquista de Fernanda Torres, no Globo de Ouro como Melhor Atriz em filme de drama por “Ainda Estou Aqui”, como um incentivo do público e dos produtores em engajar e dar mais espaço para as produções nacionais:
“Isso que aconteceu na segunda-feira [(6/1, o prêmio de Fernanda Torres] faz com que o cinema nacional ganhe maior visibilidade entre os próprios brasileiros e que, por sua vez, haja maior demanda por esses filmes. E então os exibidores não terão outra alternativa que não seja programar esses filmes, para além da cota de tela, para além do que a lei já exige”, finaliza.
Publicado por: Guilherme Rezende