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A repercussão da direita após a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro

  • Juliana Menoio e Maria Beatriz Nonato
  • 13 de jan.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de jan.

Fernanda Torres no Globo de Ouro; agora ela ganha um Globo Repórter (Foto: Divulgação)


Em 5 de janeiro, ocorreu a premiação do Globo de Ouro 2025, em Los Angeles, onde a atriz brasileira Fernanda Torres foi consagrada como Melhor Atriz em Filme de Drama por sua interpretação no longa Ainda Estou Aqui (2024, 137 minutos). Dirigido por Walter Salles, o filme retrata a vida de Eunice Paiva, viúva do deputado Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar no Brasil. Com uma abordagem sensível e detalhada, a obra explora temas como perda, resistência e memória histórica, revisitando as feridas ainda abertas do regime militar no país. A escolha de uma narrativa tão politizada e marcante como pano de fundo para um filme de grande destaque internacional desencadeou intensos debates no cenário político do país.


A vitória de Fernanda Torres gerou ampla repercussão nas redes sociais e na imprensa, evidenciando a polarização que caracteriza o cenário político atual. Setores progressistas e figuras públicas alinhadas à esquerda celebraram o reconhecimento, destacando a importância de revisitar episódios como o desaparecimento de Rubens Paiva para fortalecer a memória democrática do país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva compartilhou em suas redes sociais uma ligação que fez com a atriz Fernanda Torres para parabenizar pelo prêmio. O presidente também citou que a vitória da artista aconteceu três dias antes dos dois anos do 8 de janeiro, quando houve uma série de ataques antidemocráticos à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Por outro lado, setores conservadores criticaram a obra.


O deputado federal Mario Frias (PL-SP), ex-secretário de Cultura, declarou em seu perfil na rede social “X” que o filme Ainda Estou Aqui é uma "peça de ficção e desinformação da esquerda brasileira". Ele também acusou o Globo de Ouro de ser uma "autobajulação de militantes radicais da esquerda mundial". Essas declarações ecoaram entre parlamentares da direita, que criticaram o filme por promover uma visão considerada distorcida dos fatos históricos. Frias, durante seu mandato como secretário de Cultura, já havia sido alvo de polêmicas envolvendo acusações de racismo, viagens custeadas com dinheiro público e porte de arma no trabalho.


O ex-presidente Jair Bolsonaro também aproveitou a ocasião para criticar as prioridades do governo Lula. Em seu perfil no "X", ele repostou um vídeo sobre problemas de infraestrutura em Goiânia, associando a situação à falta de investimentos no setor e questionando o foco em recursos para a cultura. "Enquanto isso, a Rouanet?". Nos comentários, os seguidores associaram rapidamente a crítica de Bolsonaro com as festividades pela vitória de Fernanda Torres ao Globo de Ouro.


As críticas também vieram do deputado federal Reinhold Stephanes (PSD-PR), que publicou um vídeo classificando o filme como “tendencioso de esquerda” ao abordar a “revolução de 64”. No vídeo, Stephanes endossou as declarações do humorista Paulo Souza, que acusou o Globo de Ouro de ser “repleto de ativismo de esquerda”. O vídeo de Souza foi amplamente compartilhado por figuras políticas, incluindo Carla Zambelli (PL-SP). Em sua publicação, Zambelli mencionou que costumava assistir premiações, como a de Central do Brasil (1998, 115 min), estrelado por Fernanda Montenegro. Contudo, afirmou ter deixado de acompanhar esses eventos por considerar que promovem uma "lavagem cerebral" nas famílias brasileiras. Ela também reforçou críticas ao que classificou como domínio ideológico nas premiações culturais.


A politização de temas históricos e culturais tem sido um ponto de acirramento nos discursos da extrema direita, especialmente quando confrontados por iniciativas que buscam preservar e recontar a memória da ditadura militar brasileira. O lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), em 2009, e a subsequente proposta de criação da Comissão da Verdade são exemplos de como ações voltadas para a apuração de violações de direitos humanos durante o regime militar provocaram reações intensas. As críticas das Forças Armadas e de setores conservadores, que viam o programa como "revanchista" ou "insultuoso", revelaram o desconforto com o fortalecimento da memória democrática e o temor de que tais esforços expusessem estruturas e agentes que perpetuaram abusos no passado.


Segundo Gabriel Duek, estudante de História pela Uerj, nos últimos anos, tem ocorrido uma tentativa de distorcer a realidade histórica do Brasil, principalmente ao reinterpretar a ditadura militar e celebrar figuras dessa época como heróis. Ele cita exemplos do ex-presidente Jair Bolsonaro, que exaltou o coronel Ustra, ex-torturador da época da ditadura, durante a votação do impeachment em 2016; e em 2014, cuspiu no busto de Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello em Ainda Estou Aqui), deputado e vítima da ditadura, em uma homenagem na Câmara dos Deputados. Gabriel vê essa reinterpretação como parte de um movimento político que promove ideais conservadores como "Deus, pátria e família", que busca controlar o debate público, minimizando a importância de refletir sobre o passado e os rumos do Brasil.


Nesse contexto, a arte assume um papel crucial ao desafiar narrativas que distorcem os fatos históricos e ao iluminar histórias que poderiam ser apagadas. Ela se torna uma ferramenta poderosa de reflexão, conectando o público às emoções e experiências humanas de períodos marcantes, ao mesmo tempo em que preserva a memória coletiva. O psicólogo e pesquisador Lucas Suisso, especializado em Psicologia no Audiovisual, destaca a relevância dos filmes baseados em eventos históricos na construção do imaginário de uma época. Para ele, essas obras não apenas fomentam debates, mas também expõem as divisões políticas e ideológicas que permeiam a sociedade. Em suas palavras: “Ainda Estou Aqui nos desafia a enfrentar os fatos, a dialogar sobre eles e a preservar a história. O apagamento histórico é uma violência que priva futuras gerações de compreenderem as lutas e conquistas do passado. Quando assistimos a algo tão impactante, surgem questões como: ‘Como isso foi possível?’ e ‘O que estamos fazendo para que nunca mais aconteça?’. A arte, nesse sentido, é resistência. É um elo entre gerações.”


A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro por sua atuação em Ainda Estou Aqui transcende a esfera artística e se tornou um símbolo de resistência em um cenário político marcado pela polarização. Em um contexto político polarizado no Brasil, o reconhecimento internacional do filme reafirma a importância de enfrentar as feridas do passado com honestidade, recusando narrativas que buscam relativizar os abusos da ditadura militar. Ao revisitar essa história e provocar reflexões tão necessárias, o longa dirigido por Walter Salles demonstra que a arte não apenas reflete a realidade, mas também a transforma. Mais do que uma celebração artística, Ainda Estou Aqui é um lembrete poderoso de que preservar a memória é essencial para proteger o futuro da democracia. Seu destaque internacional honra histórias que muitos tentam silenciar, enquanto desafia a sociedade a enfrentar seu passado com coragem e integridade. Assim, o filme reforça a urgência de resistir ao apagamento histórico, estabelecendo um vínculo entre as lutas do passado e os desafios do presente.


Publicado por: Lucas Diniz

Faculdade de Comunicação Social | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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